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um blog de Nuno Gouveia

29 julho 2003

the turning point 

recém chegado ao ponto de retorno,
reparo no quanto que esqueci
e solto o suspiro da minha humanidade.
a sabedoria é um sonho confuso,
uma terra sempre em guerra,
uma escada que cansa.
mesmo o que esqueci me parece assimilado.
está algures por aqui, nos armários da mente.

muito obrigado por esta memória,
que não tendo a quem agradecer,
se volta para dentro e brinca bem no centro,
fazendo crer que se transforma em arrogante,
em riso velho de narciso, em alma tola e mesmo demente;
em protegido dos que ainda me amam.

de mim próprio vejo só os joelhos.
pode por isso, tudo ser verdade.
avant, régarde.
afinal o filme é mesmo mudo e o preto e branco assenta-lhe bem.
se julgo nem sei bem quem,
quanto mais de mim, que posso saber?

o ver gastou-me a firme opinião,
e mesmo agora o continua a fazer.
a unica tradução para tudo o que aprendi,
é cada vez mais, para mim,
a poesia, música do tempo.

Nuno Gouveia

26 julho 2003

o blog composto 

palavras verificadas, no composto blog de cada alma.
palavras leva-as o vento,
por pouco contento o que o mundo quer de mim.

palavras recolhidas na nascente,
que o tempo pressente, servirem o agora.
choram ladainhas, evocam movimentos,
desejam gestos e cruzamentos;
labirintos e acentos,
a paixão inconcebivel.

queixumes enfastiados, orações americanas,
sementes e diários de viagem,
amor ou simples rapinagem,
que caiamos todos na grande roda,
que seja o samsara a nossa unica certeza.

o prazer inculto ou a coluna infame.
o abrupto ou quem quer que se chame,
a musica das esferas e o vento que nos ultrapassa.
que o que estava na gaveta, seja então o nosso cometa
para que se lembre e possa celebrar,
o carrocel do desabafo.

Nuno Gouveia

25 julho 2003


om Posted by Hello

24 julho 2003

miasma 

cinco da tarde.
o calor descobre-me os sentidos
e evapora palavras, miasma do corpo.
escrevo sem sentido,
sem uma origem motivadora que possa localizar.
sem histórias para contar;
as histórias não são da poesia.

transpiro com a caneta, sentimentos que não comovem,
mas que regulam o meu equilibrio.
estou sentado á mesa, na taberna, junto á porta.
á sombra da cidade lá fora, na margem de toda a confusão.
mente e mão no puro exercicio do desabafo.
se não escrevo não sei o que faço.
preciso registar esta atmosfera encantadora,
e então respirar e seguir adiante.

a emoção que se contém, transforma-se neste exercicio
que é mais vida que vicio e que não reprime a realidade.
assento nesta verdade o meu risco colorido
e espero que tenha sido, desabafo puro,
por agora.

Nuno Gouveia

22 julho 2003

topas (...) 

quando se recebe o tempo por um momento
e se vê todas as coisas que uma coisa contém.
quando dai advém, todo o sabor dessa coisa só,
toda suspensa no arrepio que tal sabor cria
a toda a coisa viva.
quando se destapa um amor sempre inquilino
e se percebe afinal, quem abrigamos nós nesta casa animal.

quem levamos, a brincar pelo mundo...

quando no ombro me vem tocar o meu irmão
e eu estou de facto lá, para que me toque;
só posso amar, nesse instante.
quando recebemos esse brilho, já intuido antes,
só podemos amar, nesse instante.

topas?

Nuno Gouveia

21 julho 2003

a flauta mágica numa tarde de domingo 




hoje cometi um erro.
cedi a uma vontade ingénua
e fui ver a flauta mágica.

estava então sentado na noite do teatro,
escutei comovido os sons que tanto aprecio,
lágrimas ferventes corriam-me pela face,
como que por magia fui saudado pela beleza imortal,
em tempos familiar, mas agora estranha.


como cantavam os ditosos anjos!
como soava doce a canção da flauta de Tamino!
todos os temores da arte que jamais me animaram
percorreram de novo o meu coração assustado,
quebraram-no e tornaram-se dor delirante.

em meu redor, imersos numa nuvem de fedor,
entretidos a amachucar os programas,
estavam sentados os satisfeitos filisteus de domingo,
elogiaram a representação e meia-volta para casa.

eu porém, que não conheço lar nem paz,
que sempre soube apenas colher espinhos,
vagueio vacilante pela noite,
recebo no peito as lanças da saudade bem fundas,
fujo dali, para atirar em mim próprio logo que possa,
mas, mais tarde, eu, um diletante nato,
já quente e cansado de tanto correr,
aterro algures onde corram o vinho tinto e o conhaque.

Herman Hesse - música

18 julho 2003

entroncamento 

sentada junto á berma da estação,
esperava o segredo e esperava.
com o olhar cerrado pelos cabelos escuros;
com o corpo imóvel balançando no segundo;
afogada em sonhos ambiciosos, insatisfeita, mulher...

esperava o segredo e já o conhecia.
inebriava-se pelo dia.
a nuvem cinzenta, disforme e louca, boiava no azul e morria
enquanto que o ferro urgia num grito e um homem surgiu aflito,
de cores escuras que a assombravam e afligiam,
no negro aflito do segredo.

sentada junto á berma da estação,
ela não passava de uma ilusão,
e as pessoas, anjos da sua tentação.
no ar espalhou-se a voz e o futuro
enquanto procurou um elemento puro,
pouca terra, pouca terra,
a memoria de uma casa na serra.
atenção, atenção,
o segredo não pára nesta estação.

Nuno Gouveia

15 julho 2003

inocência 

empresta-me o teu sorriso,
que sem nada saber dos lobos das estepes,
desperta em mim um velho sonhar...
deixa-me com ele brincar,
a coisas que a razão com o tempo apagou.
deixa-me ver através dele todas as cores que assim se espelham,
tão belas.

creio um dia, ter tido um sorriso igual ao teu,
apontádo à emoção emergente,
como um foguete lançado às nuvens e fazendo chorar,
mas um dia sem reparar, caiu num poço feroz e escuro
e desde então, de lá tenta sair, porque à luz tudo quer vir...
à luz, tudo sempre quer vir.

vejam bem.
o sorriso feliz que nada sabe,
e que por ironia do desejo inteligente,
não é o meu.

Nuno Gouveia

um diamante 

trago nas mãos o infinito,
para dar a alguem muito bonito.
trago na memória um saber de elefante,
trago um diamante, para ti.

a cidade, enganada,
mata com a faca com que comeu...
e eu vejo e penso.
assisto a tudo, de cima do telhado.

á minha frente tenho estradas e carros.
corredores de Lisboa no bramido constante.
de um lado, a capital de um pais.
do outro, a vergonha de qualquer capital,
de qualquer pais.

assisto ao crime complecto,
e complecto fico no complecto vazio.
trago nas mãos o infinito,
para dar a alguem muito bonito.

nada tenho que ver com esse horror,
na medida em que amo.
a violencia é uma estratosfera,
do diamante que trago para te dar.
nada pode importar se não o nosso encontro.

espera.
ouve o meu coração.
trago na memória um saber de elefante;
trago um diamante, para ti.

Nuno Gouveia
além,
mais adiante ainda,
fora do vosso alcance,
mora aquele do meu romance
que não finda...

sofre,
mas a sua dor não é
como a dor de quem não ama,
ou como a pior de quem chama sem fé...

chora,
mas o seu pranto não é sal desfeito...
as suas lágrimas desumanas são
feitas de humano perdão
e respeito...


"Miguel Torga" « canção de uma outra vida »

Folha Branca 

as tempestades insurgem-se no homem.
frentes quentes.
frentes frias.
as tempestades que desbravam os ares,
tambem desbravam o peito aberto de qualquer homem ou mulheres vivos.
quem acredita na infinita poesia crê que tudo desbrava tudo.
o iluminado não passa afinal de um poeta a ousar cair no facto, de poeta ser.

a nudez femenina;
o cisne branco.
o medo e o segredo;
a infantilidade de qualquer coisa;
a folha branca.

o medo constante que nos custa aceitar, prevê que nada fará a sorte mudar,
senão esse ventre, que o medo mostra a quem quiser beijar.
o prazer de tal pele em nossa pele se esconde.
beijos fecundos trocamos em silencio, sem vermos tudo o que nos comanda.
escravos, audaciosos e romanticos.

as tempestades insurgem-se em nós;
frentes quentes.
frentes frias.
olho em frente e tudo fica ventre.
não é paz;
é ventre.
o sonho altera-se na corrente.
é o mau tempo para ser poeta.
é a luta do vento.

Nuno Gouveia

10 julho 2003

Talking Heads 

a pressão aumenta em todas as cabeças.
as razões sucedem-se e confundem-se com a ilusão.
o homem perdeu a mão das grandes certezas edificadoras;
a história desaba sobre a adição, o homem perde a mão,
vê-la cair e incendeia-se.

perde para o grande irmão, que é diabo então...
e agora perde para o grande cabrão;
morre sem morrer.
vive sem viver.
perde e entontece e delira e vai á televisão.

chora e ri em directo.
vende a alma de um jeito moderno,
chega sempre atrasado ao conhecimento,
e cai, e fica para trás.
penas de tudo o que vejo.
penas de tudo o que sinto, por não se dizer a tanta gente,
que há coisas que não precisam de fazer para serem maravilhosas.

reparem nas vossas mãos.
levem-nas á terra.

a televisão põe-se aos saltos.
alguem falou mal dela?
pergunta.
um silencio que arrepia.
ninguem pia.

o grande irmão é muito respeitado.
tem poder e inteligencia e convence-se que é Deus,
mas a verdade é que é rã.
vejo bem o pantano onde vive e os seres que se julgam bem menores que ela.
que triste.
comentam duas abelhas, que a caminho de casa voam sob as audiencias.
os homens das máquinas nem querem saber.
é o grande irmão que lhes paga o ordenado, mesmo quando se apresenta como sendo
a «Paramol» ou a «Fábrica dos caprichos».

á noite é bom gastar o dinheiro nuns copos,
e brindar ao patrão, esse grande cabrão,
que vive nalgum reino chamado Azeitão ou até Cote D`azur ou Milão.
sabe sobretudo tornar-se invisivel, por trás de cada imagem tal camaleão.
correr nas veias dos esfomeados, cobrar a dizima em troco de esperança.
mas...
não é esperança mas sim cagança;
não é reino mas sim poleiro.
não é invisivel mas dissimulado;
não é sobretudo, afinal, inofensivo.
é cruel e enganador.
é em cru grande dor, que perturba o amor rumo a diamante.
que nem vê o elefante, nem sente o gigante.
que nem chega a vir á luz.

é mentira o que digo?
julgas ser mentira?
sonambulo.
crês no contentamento?
muito bem, meu amigo e ainda mãe;
não te vendo a ti nenhuma ideia.
és nascido e por isso deves discordar e viver.
não faças caso
sou eu...
que como poeta e amigo, perdido no tempo da gramática,
olho uma vez mais para a televisão de um pais,
e penso:
sou nascido, mas não posso concordar com isto.


Nuno Gouveia

Verão 

no meio do dia, o sol é de verão.
um vento ligeiro ameaça crescer;
junto-me aos passaros na melodia da tarde.


no vasto céu azul apenas uma nuvem.
na pobre planta seca,
nenhum insecto.


brilham as folhas no limoeiro.
fico suspenso na aurea amarela.


sobre a pedra aquecida,
avança um caracol.
tambem as sombras se deslocam neste ritmo.


a roupa estendida balança docemente;
do cesto das molas sai uma abelha.
do pinheiro faço o meu chapéu,
onde raios penetram por pequenas brechas.


uma flor adorada acabou esquecida.
a ela dedico estes três segundos.


não é de declinio a musica que ouço,
embora aparente estar cheia de morte.
o unico fim de que sou testemunha,
é o de tudo permanentemente.


um galo rouco junta-se á canção.
como um relógio de precisão,
anuncia seis vezes o pico da estação.


menos concentrada aparece a rima.
deixo de ver o caracol.


a piscina já cheia convida a minha casca.
penso em boiar como o escaravelho;
protegido do vento no ondular da agua.

Nuno Gouveia

03 julho 2003

quando sai o poema,
impelido pelo vazar,
e em redor dele tudo se transforma para o moldar.
quando admirados com tudo ficamos,
sem que pela boca nos passem as palavras,
e tenhamos a alegria de conhecer todos os meios;
todas as formas;
todas as falas.

quando sai o poema ou o que quer que se lhe chame,
tenha ele o direito de dizer o que lhe cabe,
e saia ele por inteiro.
como passaros um dia libertos;
como gestos finalmente tomados;
como toques enfim consumados;
como dias realmente vividos.
sem refreio ou condição;
como este agora, em que o vejo partir.

Nuno Gouveia

01 julho 2003

Big Bang 

era uma vez um lugar vazio,
que ficava mesmo no centro da solidão do universo,
e que tinha a idade do infinito ( pelo menos para um homem como eu.)
o seu espaço vazio e negro assemelhá-va-se ao silencio, e seu pensamento, ( se realmente o tinha )
ao de um sol ardente de desejo.
de si tudo partira.
a si tudo viera.
a si tudo viria, sempre.
imagino que o sabia, e isso faz-me soltar o riso da imortalidade.
eu sou parte desse lugar;
ele deu-me à luz no seu voar.
creio que o sabia como eu, mas como era muito maior que eu,
isso fê-lo explodir mil vezes maior.
para mim ele é fogo-de-verdade;
para ele eu sou fogo-de-artificio.
esse lugar estava sempre a mudar.
mesmo vazio mudava.
ora enchendo-se de vazio, ora vazando vazio.
mudava até no eterno instante.
( tal coração de ser-vivo )
embora vazio de matéria, nunca se sentia só;
todas as coisas que lançava para fora de si, o levavam no coração de viajantes.
um dia lá regressariam, mais sabias e melhores companheiras,
toda a viagem seria boa, cheia de esperança e feliz recompensa...
mesmo assim, vazio, ele era feliz, por pensar na aventura da matéria.
por ela esperava, vazio.
sabendo que viria, como não vibrar de alegria?
qual solidão, qual quê?
a cada momento estrelas que cresciam, rotas que se abriam,
vidas que se multiplicavam, mesmo partindo para longe de si.
planetas de razões apaixonadas.
o universo era sua ideia, e tudo sempre, voltaria sempre.
o seu amor, assim vazio, corria pelos buracos negros.
a sua voz é ainda a minha.
põrra de desejo concreto, ver este lugar como mãe.
sereno e sábio.
que mãe tão linda.
muitos filhos como eu, quase nem o sentem ou procuram,
mas ainda assim vão em pleno võo.
olho para trás e grito para o querido lugar.
não me esqueci da minha missão.
levar-te-ei tanto amor quanto encontrar.
serei melhor?
mais teu filho que os outros?
não.
tenho só a sorte de me lembrar de ti, e entender que tal como tu, eu sou todos,
e que se me lembro, é por todos os que sou.
alargaremos os teus dominios nas milhares de sucessivas vidas,
e abraçaremos o que encontrarmos e sonharemos a ti voltar.
andaremos distraidos muitas vezes.
as paisagens sucedem-se e é dificil acabar tudo o que se começa.
é normal alguma distração;
ainda agora estamos a ir.
talvez por isso ame o deserto.
faz-me lembrar de lugares como tu, que tudo dão e de tudo abdicam.
ouve-se bem o vosso canto.
nada acontece e voçês cantam;
que belo canto eu ouço.
que bela noite.
do fogo para o fogo, e do gelo para o gelo, atravessam-se as terras do fogo e do gelo;
os mares de que somos feitos;
o choro belo de tal lugar;
a ausencia de todo o seu corpo, peveligiando toda a sua alma.
foi isso que não esqueci, hó lugar.
o argumento da razão em amar, tanto o dia de hoje,
como aquele que me fez partir de ti, primeiro feito gas e massa, e só agora homem e lugar.
lucido na corrente do destino.
de regresso a casa, onde estarás à minha espera,
a meio caminho de um sonho por cumprir.
Nuno Gouveia

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