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um blog de Nuno Gouveia

27 janeiro 2008

a menina na t.v. 

O que será que fazem "os que sabem"
a esta hora da noite?
Os que sabem o quê?
O que eles sabem, naturalmente.
Se eu sei o que eles sabem,
devem fazer nada como eu.
Devem fazer qualquer coisa para passar o tempo.
Alguns dormem e devem sonhar.
Outros até escrevem, como eu.
Outros sujeitam-se ao que há.
Um livro técnico sobre qualquer assunto,
Ali deixado por um antigo controlador da torre.
A menina na t.v. que os quer bem acordados.
Um pensamento para a pessoa amada.
Os que sabem, e os que não sabem,
a esta hora fazem coisas parecidas,
se é que fazem alguma coisa.
Porque aqueles que não estão a sonhar,
não fazem practicamente nada.
Um faz torradas e ovos mexidos.
Outro assiste a um documentário sobre um cemitério para animais.
Um ainda, comete suicidio.
Não nós, os outros que sabem.
Nós passamos o tempo com o que temos à mão.
Um comando, uma pistola, um télemovel.
Brincamos com as coisas que sabemos,
nesta hora em que não têm função práctica.
Se a bateria acabar esvrevo no papel.
Outro descobriu agora mesmo que sabe.
Outro quase ficou a saber, mas dentro de um ou dois dias,
saberá mesmo.
Outro nunca saberá nada dos sapatos para cima,
e neste momento trata deles aplicando a graxa.
Chama pela mulher que também não sabe,
mas ela já dorme, mesmo se não sonha.
A esta hora tanto faz.
Saber ou não saber, de pouco importa.
A menina na t.v. não quer que ninguém durma,
não lhe interessa que saibam a resposta,
desde que tenham algum palpite.
Outros lavam os pés, mesmo os de alguém.
Uns alegram-se por saberem amanhã.
Outros sofrem pela mesma razão,
e choram na casa de banho para não acordar a mulher da pistola.
Passa-se bem o tempo.
Passa rápido.

31 agosto 2007

Só alcançaremos o tão desejado paraiso, quando dominarmos a comunicação.
Só através dela chegaremos ao Amor constante, que revelará uma nova força poderosa e animará as nossas almas secas.
O que observo, aqui nestes tempos, outros observaram a seu tempo.
O medo e a preguiça, impedem o homem de realizar o sonho, e isso não é novo, nem velho, é o que é;
É assim agora.
O saber é uma palpitação.
Dá vontade de correr a querer espalhá-lo...
Mas sempre a falência resgata o seu prémio à realidade, quase preparados, nunca preparados, de pouco adianta saber só, a não ser para chorar sabendo o que se chora.
A comunicação é a chave do Amor.
A comunicação é a chave do Amor, e é de todos.

13 maio 2007

repetição em espiral 

No eixo da razão oposta, uma claridade gira como um peão.
Basta aos homens morar no centro e livrar da alma, a defesa bicuda.
Quem nos ensina a viver no azul?
Só a sugestão tem poder para tal.
Qual é afinal a beleza da vida?
A parte toda, do que nem à força é feio.
Um ser humano, uma erva, uma pedra.
Quem não conhece parte dessa beleza?
Quem insiste em negar a beleza do amor.
Somos todos a povoar a esfera.
A desejar construir e fazer coisas boas.
Òh desconfiança, fabricada logo após o tempo.
Queremos tanto deixar cair os panos, e dar as mãos e os olhos, trocar de coração.
Gira lá, erro humano, gira lá.
Se até o poeta te faz girar na claridade.

26 junho 2006

Quanto custa uma alma nova? 

Quanto custa uma alma nova ?
Quanto tempo demora a chegar ?
Farão desconto ao entregar,
pagarei menos se a for buscar ?
Quanto custa ?
Uma alma novinha em folha, sem mancha sequer nenhuma,
sem mágoas nem vontades, que eu possa ensinar, encaminhar...
Quanto será, quanto será ?
Uma coisa destas!
A maior, quanto será ?
Que me levam os homens pela ambição de a querer ?
E depois, subirão o preço até mais não ver,
ivejosos, com certeza.
Mas porquê, se não ma podem vender ?
Está bem.
Só perguntei !
Quanto custa uma alma nova.
Pronto.
O que é que tem?
Só perguntei.

Quanto desejariam estes pobres tolos
por uma almita nova ?!
Se nem sabem que posso sempre perguntar, sempre sempre,
as vezes que eu quiser e pronto,
quanto custa o diabo de uma alma nova, nem que seja só
a mim próprio.
A mim.
Não é que precise, mas...
Se precisar já sei.
Só perguntei.

Escrito a: 30/09/97

17 junho 2006

Sorriso de barro 

Vem ver, mãe.
Com o barro que me deste fiz um homem muito grande.
Tem feições de homem bom um pouco agastado,
mas pelos seus lábios vê-se que é feliz.
Tem fraca figura, nem feio nem bonito,
mas o seu olhar é deveras curioso.
Nem sei porque o fiz assim.
Convergi para esta forma num momento distraido,
pensava em coisas e coisas, e quando voltei já ele cá estava,
a olhar para mim com este sorriso indefenido.
Foi nesse momento que chamei por ti,
para veres o barro sorrir.
Para veres que ele também sorri.

05 junho 2006

Fora 

Fora com o corpo na lucidez da vida
Fora com as roupas na noite quente
Fora com o segredo no mistério do individuo
Fora do eu
Fora com o meu

Montanha por mim acima
Fragas de nuvens
Cumes gelados

Fora com a diferença entre ser e não ser
Fora com o poder da gravidade absoluta
Fora com a reza da pedra gelada
Fora de mim
Do fora vim

Por mim acima
Cumes gelados
Montanha de fragas nuvens
Fora do querer
Querer ainda saber
Onde guardei aquele retrato da humanidade

02 junho 2006

Ouço dizer que se faz sopa de ortigas
e doces de insectos,
e venero essa possibilidade
mesmo que nunca experimentada.
Cá em casa jazem secos pelo jardim e nas janelas
enquanto deus espera, minha sorte bem vinda,
meu deus,
espera ainda.

17 maio 2006

escreve, velho indio 

Escreve, escreve, no agora intuido.
Vaza o insulto que se acumula.
Escreve do alto da dor,
e sonha ressentido como no auge do amor.

Vazou-se o peito desmedido
e encheu-se o intimo de uma cruel tempestade de emoção.
Quando por ele deram dava voltas no caixão,
tentando mostrar a sua verdade no desespero da solidão.
E então;

Escreve , velho indio.

Envolveu-se o çéu de uma cor adamada
e pousaram no seu tempo pássaros lutadores.
Caiu chuva nos telhados coitados,
caiu de um mal a sua sombra,
e o homem acordou a gritar;
Escreve, escreve, antes que acabes.

11 maio 2006

Descarado 

E o centro amnéstico do Homem
saiu dele para os altos cumes das serras
das nuvens,do seu Deus.
Do encontro que fez nascer a liberdade

impiedosamente
a doce agonia que desdobra o dia
conforta a alma dos outros que passaram
Prazeres trocados, tatuagem complecta.

Morro de pessoas dentro das suas casas

e por ser carinhoso, elegante, ilusionista
passo mais tarde pela condição chapada
da planicie com vegetação rasteira.
Assim não me vejo como os outros me vêem.

Chá da meia-noite, bebida envenenada
Chaleira, bajulador
Chamorro do mundo evoluido.
Contraparente, contradança, com licença.
Faz antes chover no mais humano dos homens
O desafecto quer apenas chorar.

viúvo de pessoas dentro das suas casas

O descarado não sou eu, homens de Deus
são os desígnios do que dizeis saber.
Se apenas me cumpro vossa partícula
atravessando convosco estas montanhas
deixai que o errante mostre a sua parte
e cante os seus fados durante a viagem.

Na peneplanície?
Irei a pé a partir de lá.

26 fevereiro 2006

O esquecimento 

O Homem dobrou a esquina
e lembrou-se do esquecimento no vazio da sua mala.
Incapaz de entender do que se tratava, retomou a sua marcha normal.

Ao dobrar a segunda esquina, o Homem achou que aquilo
que esquecia hoje era o mesmo que esquecera em outros dias.
Sem compreender do que se tratava, o Homem seguiu adiante,
parando apenas uma vez para olhar para os seus sapatos
enquanto os engraxava.

Ao dobrar a terceira esquina, o Homem finalmente cedeu a que o futuro
fosse mais importante que o passado, e apressou o passo desmedidamente.

No topo desse mesmo edificio, um menino deitado contemplava as nuvens,
e ria divertido, com as figuras por elas desenhadas.
Como eram perfeitas algumas delas, como a do Homem que levava uma mala
e tinha uns grandes sapatos.

N.Gouveia

12 fevereiro 2006

Ao contrário 

Por Deus, ao contrário.
Subo à tona para respirar o ar aflito,
também eu necessitado dele,
a fazer o biscate e creditar algum tempo são.
Pelo encontro, ao contrário.
O outro em mim e eu no outro,
a decantar pós de estrelas para o fermento
da criança dos dois.
Juntos e depois, mais tarde, a fazer rir,
a arrepiar a realidade livre,
a contradizer, sempre com graça.
Por mim, ao contrário,
sem chagas nos pés cruzados,
nem nas mãos separadas.
Meu tecto coberto de divindades,
dançem comigo sobre a minha cama,
ao contrário do que fazia crer,
este dia de inverno,
sem lenha sequer nenhuma.

(N.G.)

11 fevereiro 2006

Veleiro 

Veleiro, sobre a canção dentro de mim.
Realidade e sonho, criando uma infãncia
sempre filha do mistério, e quando o que toco
não vejo ou o vejo e não toco, ás vezes é assim.
Veleiro no nevoeiro em mim,
e lá no centro um espaço onde brincar
a tudo o que é belo e importante,
a tudo o que é, a tudo o que é...
Pois meu semelhante, senhor como eu na rua,
olha-me e evita-me na excitação das ondas,
veleiro sobre o medo em si.
Podia dizer-lhe como tudo são circulos,
nós todos neste mar em nós.
Realidade e sonho, nossas figuras tristes,
veleiro sobre as tempestades que perduram
como nós perduramos, tão para lá de nós.
E eu que só do mistério sou profeta,
e que nunca vi na realidade coisas mais certas do que nos sonhos,
veleiro sobre a sensação de viver.
À vista.
Terra, miragem.

(N.G.)

22 dezembro 2005

A todos um bom Natal. 

...e no lugar comum da pessoa Fernando,
não se esqueçam do "se calhar"...

09 novembro 2005

Pedrinha caindo na água,
o tamanho do lago não importa.
Pedrinha a voar ao contrário,
deslizando, até ao fundo rodeando.
um som de agulha a tocar na pele.
Um rasto cercado de bolhinhas.
momento milagreiro a responder ao tempo,
o tamanho do lago não importa,
circulos perfeitos,
pedrinha lançada.

18 agosto 2005













O mundo adianta-se num sopro inquietante.
Tudo aquilo que sou se mistura avante.
Pedras pedrinhas, muros sem vergonha,
porque não se invadem os corações dos Homens,
de amiração por toda a beleza.

02 agosto 2005

o meu voto 


Que as coisas mais altas
escorram da felicidade de fundo.
Que os meios se enlacem
pela supremacia amorosa.
Que a claridade jorre dos olhos despertos.
Que o mundo se verifique, na restauração do sentimento na criança.

Que a vida se comova pela condução que faz de si.
Que os homens apareçam à luz do dia, plenos de oferendas
a circundar o sol.
Que as mães o sejam, afastando a ilusão.
Que o amor regresse, como bem entender.

Que os votos se tornem únicos,
na oração do ainda nascimento.
Que o humor se desenvolva,
mesmo em tudo o que não tem graça.
Que a fome seja engolida,
pelo armamento das nossas almas.

N.G.

01 agosto 2005

nota: 

contando que não seja só um show, devemos
por vezes encenar na vida,
momentos de cinema que enfatizem o encontro
e o revistam da magia que nunca devia
ter perdido.

Aqui estou eu, pleno irmão de
um só agora.
Aqui estou eu com todo o meu
passado.
Sou teu por um instante, pois cabo no teu peito
por via do gesto bem combinado.


14 abril 2005

Ámen 

procurai em vós próprios e
encontrareis tudo.
e alegrai-vos de existir lá fora,

ou como muito bem quiserdes dizer,
uma natureza que está sempre pronta
a dizer ámen a tudo o que tiverdes
encontrado dentro de vós.

"Goethe"


27 março 2005


N.G. art work Posted by Hello

20 março 2005

que dia é hoje?
que ano é este?
da estratosfera da vida,
vejo só o azul da existência.

15 março 2005


Posted by Hello

0 

um pouco de nada,
de coisa nenhuma,
simples palavras saidas a cordel,
portuguesas como quem as escreveu,
de valor igual ao de quem as leu.
pedrinhas do rio com queda para o feitiço,
atiradas à toa sobre as aguas quietas,
mesmo antes da memória de lá saltar,
assim se consegue a pobre poesia,
num pais que ainda ontem quase não lia.
haja ainda coragem de enfrentar o deserto,
sem contar com óasis ou faustos pic-nics.
sem contar encontrar, a matriz da existencia,
mais que num grão da pedrinha de areia,
riso convicto por um súbito portal.
um brilho na penumbra quase nos engana,
escondendo o vazio da humana existencia.
um pouco de nada,
de coisa nenhuma,
circulos que se afastam do acontecimento,
provocando sorrisos no alto de um pinheiro.

02 março 2005


o2 Posted by Hello

03 fevereiro 2005

o selo da minha convicção
é o amor todo reunido num ponto.

EXECUTIVEL 

Frágil arbitrio, julgar as pessoas.

dizer que são, isto ou aquilo,
e dizer depois que se tem pena delas.
de que servem tantos chavões, se o tempo de aprender
é o tempo de uma vida?!
de que serve de alguém, dizer que não presta, se esse alguém existe
e pode ser tocado?
a quem pertence a razão, se no meio da lição?
quem pode atirar a milésima pedra?

É para nós que podemos olhar.

É de nós que devemos ser juiz,
e ter fé nesses outros e no seu julgamento.
quando lhes dispomos o nosso peito aberto,
é que eles baixam defesas, bem devagarinho.
quando acreditamos na verdadeira natureza do ser,
é que somos capazes de doirados silencios e de poemas no escuro
e de vitórias sobre a ilusão.
mais fácil é acusar o outro,
que é mau e porco, louco e doente.
bruto insensivel, que é culpado, está na cara.
mas de quê, vos pergunto, pedras.
que culpa pode haver na música das esferas?!

prudenciocracia 

Quem vai a votos é o José Prudente,
carregado de auto-comiseração.
Quem vota é um povo que adopta,
um filho bom tornado mau.
Uma fileira de filharada.

Quem desmembra o governo
é o Jorge Prudencio,
acossado por noticias ao lume,
no fogo colossal de toda uma carreira,
comete o que as chamas à muito lhe diziam,
forma bem arranjada de cumprir um destino.

Quem vai a votos que vá valente,
sem espelho brando que lhe faça frente,
sem penosa familia, mitigada de penúrias.

Quem vota para si, vota mais contente,
por finalmente provar que é gente
e mostrar como sente,
mediante a liberdade.

O que vai a votos é uma coragem coagida,
a eliminar da vida, uma nitida certeza.
nascer. votar. morrer.

cosmic love Posted by Hello

SOL auto-existente AMARELO 

Estavas nas traseiras do meu pensamento,
num quarto ultimamente pouco usado,
despercebido do resto da casa.
Julguei poder...
esquecer que ali estavas, que na ilusão da sequencia da vida só se acredita
no que se quer.
Estavas para mim como um hábito mal tratado, mentira, estavas para mim.
O tempo encarrega-se de nos fazer rodar e a casa move-se e tudo se mistura.
Que pena, ter que magoar, sair sempre a perder, esgotar o coração.
Estavas ali, o tempo todo, e eu levando a vida, arrumando a casa,
evitando as traseiras, negando essa presença, recusando essa força.
Porquê, me pergunto agora, num breve espaço entre duas cambalhotas,
sentimento vivo, nada zen e urgente.
Fatalmente me doi a existencia, humanamente fraca,
como uma planta fustigada, pelos demais elementos que a tornam real.
Estavas dentro de mim e sorrias constantemente.
Estavas tão plena do amor que te tenho, que toda a casa se refez paisagem.
Estavas viva.

11 dezembro 2003

o anjinho 

quem é este desgraçado,
que passa por mim com a fome ás costas?
de onde virá cambaleando,
subindo,descendo,
lúcido ainda, no pico da vida?
porquê ele e não eu?

tudo se intromete e segue, existindo.
tudo me ultrapassa de forma indefenida.
as suas roupas e a sua barba;
a sua careca baça.
o frio instala-se sobre a música do natal
e a nuvem cinzenta vai formando o seu exército.
quem é o desgraçado que já não vejo nesta rua?
ter-se-á alistado à ordem dos çéus,
ou vai ainda atravessando estradas?
vejo apenas a porta que em mim deixou aberta
e a luz amarela, quase nada, que vai entrando.

se me encontrarem a dormir,
junto ao pinheiro por acabar,
com um duende sorridente à mão de semear,
e os olhos meio abertos como se estivessem a sonhar,
reconheçam em mim o sujeito de qualquer rua,
e não me façam mais que uma sopa dos pobres.

o medo de mais uma cerimonia,
aumenta sem cura,
e a intuição de que tudo está errado
não me permite colocar o anjinho.
já um pouco de sal numa sopa quentinha...

N. G.

13 novembro 2003

Crunch 

O lado direito do meu cérebro,
dá uma colherada ao lado esquerdo,
e eu registo isso,
como um sinal evidente da minha saúde.

N.G.

UM GRÃO, EIS A QUESTÃO. 

Um grão de areia, sucedendo a outro.
Um pedaço de madeira polida.
Uma duna e o azul ao fundo,
Pura ilusão, valsa repetida.

Cor erótica de fim de tarde,
Surge, convidando.
Que noite trará no bico,
A gaivota que plana?

Rebenta uma onda,
Mas só por haver mar.
Cheio de desejos transborda o coração
E leve espuma me adorna,
Repetindo-se o baptismo.

Insecto.
Gente.
Genial universo abandonado.
Os rapazes que rebentam nas ondas
E o músico que abandona a praia.

A grande estrada do sol,
Segue para lá do horizonte
Mas ninguem se aventura,
Nem mesmo os ambiciosos.

Como nominar este velho encanto?
Terei forma de o traduzir,
Reunindo os meus vocábulos?
Espanho-me na rebentação,
Forma airosa de evitar um não.

Nuno Gouveia

07 novembro 2003

Diario a bordo da terra - tomo 1 


A minha missão continua por defenir.
É de madrugada e continuo acordado.
As minhas recentes investigações a bordo do planeta,
inquietaram-me e não me deixam descansar.
Ao insurgir-me no grupo dos poetas, percebi melhor,
que tambem este grupo tem as suas regras.
Quando iniciei a minha investigação,
tive a inocente convicção que os poetas eram homens livres,
que haviam de mostrar caminho, e ser heróis de cada geração,
mas os condados são ainda limitados,
e as confederações criam os seus próprios escritores.
Este disfarçe começa a ser perigoso.
As máquinas já estão desconfiadas sobre o meu trabalho,
e devo ser rápido a escolher outra máscara.
Politico já não dá.
Alguns irmãos estão a ser eliminados, e mesmo o nucleo central, ameaça ruir. A ultra escravatura permanece intocável;
O irmão Orwell tinha razão.
o ocidente está contra o oriente e o código vermenho não tarda a surgir.
Já se sente durante os sonhos e nos silencios da propaganda.
Tenho que desligar.
Temo ser detectado na vigilia da noite.

Diario a bordo da terra - tomo 2 

A estação do inverno está quase a chegar.
Permaneço em Portugal,
junto à cidade de Lisboa.
A europa federal prepara-se para as eleiçoes
e a publicidade volta a ganhar força.
O irmão Johny Cash voltou para casa.
Pensei hoje nele, como num cristo pessoal.
Já escolhi o meu proximo disfarçe.
vou tornar-me cristão,
e até já arranjei um passe em segunda mão.
Tenho passado algum tempo a estudar este grupo, e neste momento, é o mais adequado ao trabalho que estou a desenvolver.
Um bom cristão não se compromete, e tem acesso a todas as zonas. Até as de prazer. sendo o prazer um grande objectivo da minha missão, estou certo que escolhi bem e que este disfarçe me trará sucesso.
Os meus projectos multiplicam-se, mas tenho conseguido tratar das plantas.
( a poesia roubava-me muito tempo)
Estão de boa saude e parecem ter-se adaptado; em breve serão replantadas.
Não escreverei nos próximos tempos; não é um habito entre os cristãos.
Este relatório, fi-lo á pressa; o recolher é eminente e a televisão está quase a acabar.
Em breve tocarão á porta.
É um dos ministros do grande poder, disfarçado de carteiro.
Os dias são agora mais curtos e mais inconstantes, há luz o tempo todo.
É impossivel saber as horas, a não ser, medindo o medo.
É hora de funcionar, dizem todos na grande gare.
Os tuneis rodoviarios crescem em grande escala, mas o oxigénio está-se a aguentar.
Vai-se acabando, mas tambem a vida, e se nada viver sobre o planeta, não haverá ninguem para se queixar.
Vou hibernar para não soar o alarme.

A cautela é mãe deste diario.

o caminho 

escureceu, a memória infantil.
os largos braços do tempo,
abraçam-na com ternura.
a arte sorri por cima de um homem,
filhas do espaço, regozijam-se as estrelas.
cada uma das coisas vivas se lança numa aventura.
se na minha acontecem as palavras,
tambem nas outras algo acontece.
o cosmos pula e não se esquece,
do previlégio radioso.
tudo arrasta com o seu avanço,
até as ideias que se querem agarrar.
o que se agarra é somente poeira,
miragem, cegueira, prestação casual.
quanto afinal, é cheio no caminho?
respiro mas não ouço,
o rugir do grande poço.
caio apenas como todos os astros.
a grande corrente, nada tem a provar,
nem que sabe, nem que não sabe,
o caminho é assim, vazio.
a Deus nunca ninguem viu,
e o amor ninguem pode traduzir,
mas sempre, o que vive, sabe por onde ir,
arrastado na corrente de verdade, por tudo o que sente.
por cima de um homem, pende o seu astral,
e de todas as coisas, é esta a mais real.

Nuno Gouveia

24 setembro 2003

vertigem 

Da varanda que dá para o mundo,
põnho-me a observar.
que quer tanta gente realmente alcançar?

nada.

só o vazio do grande estapafurdio.

que enganos serão os meus,
ao querer ainda isto saber?
distraio-me de viver?
sou tõlo e não me manco,
embriagado pela poesia?
serei talvez previsivel,
aflito de paixão breve.
porque disparo sobre mim,
se na verdade compreendi,
a luz e a sua luta,
as feras na sua gruta.
que pretendo obter ainda,
para lá do segredo da impermanencia?
como um voyeur que se afoga no tédio,
e que sobe á tona sem missão defenida.

venho á varanda para me divertir,
quando era ao mundo que eu devia ir.
brinco com coisas sérias.
devo pensar que vivo para sempre?!
insolente, ordinarão.
nem vejo a linha do horizonte, fechada na minha mão,
nem o porquê das minhas perguntas,
nem a causa da minha distracção.

atencioso a todos os brilhos,
quero logo saber qualquer coisa,
esquecendo a bola que não tenho nas mãos
e que logo se parte, ao cair, em mil pedaços.

mando-me para dentro e que feche a janela,
tenho ainda que rever prioridades.
compreendo e obedeço.

Nuno Gouveia

29 julho 2003

the turning point 

recém chegado ao ponto de retorno,
reparo no quanto que esqueci
e solto o suspiro da minha humanidade.
a sabedoria é um sonho confuso,
uma terra sempre em guerra,
uma escada que cansa.
mesmo o que esqueci me parece assimilado.
está algures por aqui, nos armários da mente.

muito obrigado por esta memória,
que não tendo a quem agradecer,
se volta para dentro e brinca bem no centro,
fazendo crer que se transforma em arrogante,
em riso velho de narciso, em alma tola e mesmo demente;
em protegido dos que ainda me amam.

de mim próprio vejo só os joelhos.
pode por isso, tudo ser verdade.
avant, régarde.
afinal o filme é mesmo mudo e o preto e branco assenta-lhe bem.
se julgo nem sei bem quem,
quanto mais de mim, que posso saber?

o ver gastou-me a firme opinião,
e mesmo agora o continua a fazer.
a unica tradução para tudo o que aprendi,
é cada vez mais, para mim,
a poesia, música do tempo.

Nuno Gouveia

26 julho 2003

o blog composto 

palavras verificadas, no composto blog de cada alma.
palavras leva-as o vento,
por pouco contento o que o mundo quer de mim.

palavras recolhidas na nascente,
que o tempo pressente, servirem o agora.
choram ladainhas, evocam movimentos,
desejam gestos e cruzamentos;
labirintos e acentos,
a paixão inconcebivel.

queixumes enfastiados, orações americanas,
sementes e diários de viagem,
amor ou simples rapinagem,
que caiamos todos na grande roda,
que seja o samsara a nossa unica certeza.

o prazer inculto ou a coluna infame.
o abrupto ou quem quer que se chame,
a musica das esferas e o vento que nos ultrapassa.
que o que estava na gaveta, seja então o nosso cometa
para que se lembre e possa celebrar,
o carrocel do desabafo.

Nuno Gouveia

25 julho 2003


om Posted by Hello

24 julho 2003

miasma 

cinco da tarde.
o calor descobre-me os sentidos
e evapora palavras, miasma do corpo.
escrevo sem sentido,
sem uma origem motivadora que possa localizar.
sem histórias para contar;
as histórias não são da poesia.

transpiro com a caneta, sentimentos que não comovem,
mas que regulam o meu equilibrio.
estou sentado á mesa, na taberna, junto á porta.
á sombra da cidade lá fora, na margem de toda a confusão.
mente e mão no puro exercicio do desabafo.
se não escrevo não sei o que faço.
preciso registar esta atmosfera encantadora,
e então respirar e seguir adiante.

a emoção que se contém, transforma-se neste exercicio
que é mais vida que vicio e que não reprime a realidade.
assento nesta verdade o meu risco colorido
e espero que tenha sido, desabafo puro,
por agora.

Nuno Gouveia

22 julho 2003

topas (...) 

quando se recebe o tempo por um momento
e se vê todas as coisas que uma coisa contém.
quando dai advém, todo o sabor dessa coisa só,
toda suspensa no arrepio que tal sabor cria
a toda a coisa viva.
quando se destapa um amor sempre inquilino
e se percebe afinal, quem abrigamos nós nesta casa animal.

quem levamos, a brincar pelo mundo...

quando no ombro me vem tocar o meu irmão
e eu estou de facto lá, para que me toque;
só posso amar, nesse instante.
quando recebemos esse brilho, já intuido antes,
só podemos amar, nesse instante.

topas?

Nuno Gouveia

21 julho 2003

a flauta mágica numa tarde de domingo 




hoje cometi um erro.
cedi a uma vontade ingénua
e fui ver a flauta mágica.

estava então sentado na noite do teatro,
escutei comovido os sons que tanto aprecio,
lágrimas ferventes corriam-me pela face,
como que por magia fui saudado pela beleza imortal,
em tempos familiar, mas agora estranha.


como cantavam os ditosos anjos!
como soava doce a canção da flauta de Tamino!
todos os temores da arte que jamais me animaram
percorreram de novo o meu coração assustado,
quebraram-no e tornaram-se dor delirante.

em meu redor, imersos numa nuvem de fedor,
entretidos a amachucar os programas,
estavam sentados os satisfeitos filisteus de domingo,
elogiaram a representação e meia-volta para casa.

eu porém, que não conheço lar nem paz,
que sempre soube apenas colher espinhos,
vagueio vacilante pela noite,
recebo no peito as lanças da saudade bem fundas,
fujo dali, para atirar em mim próprio logo que possa,
mas, mais tarde, eu, um diletante nato,
já quente e cansado de tanto correr,
aterro algures onde corram o vinho tinto e o conhaque.

Herman Hesse - música

18 julho 2003

entroncamento 

sentada junto á berma da estação,
esperava o segredo e esperava.
com o olhar cerrado pelos cabelos escuros;
com o corpo imóvel balançando no segundo;
afogada em sonhos ambiciosos, insatisfeita, mulher...

esperava o segredo e já o conhecia.
inebriava-se pelo dia.
a nuvem cinzenta, disforme e louca, boiava no azul e morria
enquanto que o ferro urgia num grito e um homem surgiu aflito,
de cores escuras que a assombravam e afligiam,
no negro aflito do segredo.

sentada junto á berma da estação,
ela não passava de uma ilusão,
e as pessoas, anjos da sua tentação.
no ar espalhou-se a voz e o futuro
enquanto procurou um elemento puro,
pouca terra, pouca terra,
a memoria de uma casa na serra.
atenção, atenção,
o segredo não pára nesta estação.

Nuno Gouveia

15 julho 2003

inocência 

empresta-me o teu sorriso,
que sem nada saber dos lobos das estepes,
desperta em mim um velho sonhar...
deixa-me com ele brincar,
a coisas que a razão com o tempo apagou.
deixa-me ver através dele todas as cores que assim se espelham,
tão belas.

creio um dia, ter tido um sorriso igual ao teu,
apontádo à emoção emergente,
como um foguete lançado às nuvens e fazendo chorar,
mas um dia sem reparar, caiu num poço feroz e escuro
e desde então, de lá tenta sair, porque à luz tudo quer vir...
à luz, tudo sempre quer vir.

vejam bem.
o sorriso feliz que nada sabe,
e que por ironia do desejo inteligente,
não é o meu.

Nuno Gouveia

um diamante 

trago nas mãos o infinito,
para dar a alguem muito bonito.
trago na memória um saber de elefante,
trago um diamante, para ti.

a cidade, enganada,
mata com a faca com que comeu...
e eu vejo e penso.
assisto a tudo, de cima do telhado.

á minha frente tenho estradas e carros.
corredores de Lisboa no bramido constante.
de um lado, a capital de um pais.
do outro, a vergonha de qualquer capital,
de qualquer pais.

assisto ao crime complecto,
e complecto fico no complecto vazio.
trago nas mãos o infinito,
para dar a alguem muito bonito.

nada tenho que ver com esse horror,
na medida em que amo.
a violencia é uma estratosfera,
do diamante que trago para te dar.
nada pode importar se não o nosso encontro.

espera.
ouve o meu coração.
trago na memória um saber de elefante;
trago um diamante, para ti.

Nuno Gouveia
além,
mais adiante ainda,
fora do vosso alcance,
mora aquele do meu romance
que não finda...

sofre,
mas a sua dor não é
como a dor de quem não ama,
ou como a pior de quem chama sem fé...

chora,
mas o seu pranto não é sal desfeito...
as suas lágrimas desumanas são
feitas de humano perdão
e respeito...


"Miguel Torga" « canção de uma outra vida »

Folha Branca 

as tempestades insurgem-se no homem.
frentes quentes.
frentes frias.
as tempestades que desbravam os ares,
tambem desbravam o peito aberto de qualquer homem ou mulheres vivos.
quem acredita na infinita poesia crê que tudo desbrava tudo.
o iluminado não passa afinal de um poeta a ousar cair no facto, de poeta ser.

a nudez femenina;
o cisne branco.
o medo e o segredo;
a infantilidade de qualquer coisa;
a folha branca.

o medo constante que nos custa aceitar, prevê que nada fará a sorte mudar,
senão esse ventre, que o medo mostra a quem quiser beijar.
o prazer de tal pele em nossa pele se esconde.
beijos fecundos trocamos em silencio, sem vermos tudo o que nos comanda.
escravos, audaciosos e romanticos.

as tempestades insurgem-se em nós;
frentes quentes.
frentes frias.
olho em frente e tudo fica ventre.
não é paz;
é ventre.
o sonho altera-se na corrente.
é o mau tempo para ser poeta.
é a luta do vento.

Nuno Gouveia

10 julho 2003

Talking Heads 

a pressão aumenta em todas as cabeças.
as razões sucedem-se e confundem-se com a ilusão.
o homem perdeu a mão das grandes certezas edificadoras;
a história desaba sobre a adição, o homem perde a mão,
vê-la cair e incendeia-se.

perde para o grande irmão, que é diabo então...
e agora perde para o grande cabrão;
morre sem morrer.
vive sem viver.
perde e entontece e delira e vai á televisão.

chora e ri em directo.
vende a alma de um jeito moderno,
chega sempre atrasado ao conhecimento,
e cai, e fica para trás.
penas de tudo o que vejo.
penas de tudo o que sinto, por não se dizer a tanta gente,
que há coisas que não precisam de fazer para serem maravilhosas.

reparem nas vossas mãos.
levem-nas á terra.

a televisão põe-se aos saltos.
alguem falou mal dela?
pergunta.
um silencio que arrepia.
ninguem pia.

o grande irmão é muito respeitado.
tem poder e inteligencia e convence-se que é Deus,
mas a verdade é que é rã.
vejo bem o pantano onde vive e os seres que se julgam bem menores que ela.
que triste.
comentam duas abelhas, que a caminho de casa voam sob as audiencias.
os homens das máquinas nem querem saber.
é o grande irmão que lhes paga o ordenado, mesmo quando se apresenta como sendo
a «Paramol» ou a «Fábrica dos caprichos».

á noite é bom gastar o dinheiro nuns copos,
e brindar ao patrão, esse grande cabrão,
que vive nalgum reino chamado Azeitão ou até Cote D`azur ou Milão.
sabe sobretudo tornar-se invisivel, por trás de cada imagem tal camaleão.
correr nas veias dos esfomeados, cobrar a dizima em troco de esperança.
mas...
não é esperança mas sim cagança;
não é reino mas sim poleiro.
não é invisivel mas dissimulado;
não é sobretudo, afinal, inofensivo.
é cruel e enganador.
é em cru grande dor, que perturba o amor rumo a diamante.
que nem vê o elefante, nem sente o gigante.
que nem chega a vir á luz.

é mentira o que digo?
julgas ser mentira?
sonambulo.
crês no contentamento?
muito bem, meu amigo e ainda mãe;
não te vendo a ti nenhuma ideia.
és nascido e por isso deves discordar e viver.
não faças caso
sou eu...
que como poeta e amigo, perdido no tempo da gramática,
olho uma vez mais para a televisão de um pais,
e penso:
sou nascido, mas não posso concordar com isto.


Nuno Gouveia

Verão 

no meio do dia, o sol é de verão.
um vento ligeiro ameaça crescer;
junto-me aos passaros na melodia da tarde.


no vasto céu azul apenas uma nuvem.
na pobre planta seca,
nenhum insecto.


brilham as folhas no limoeiro.
fico suspenso na aurea amarela.


sobre a pedra aquecida,
avança um caracol.
tambem as sombras se deslocam neste ritmo.


a roupa estendida balança docemente;
do cesto das molas sai uma abelha.
do pinheiro faço o meu chapéu,
onde raios penetram por pequenas brechas.


uma flor adorada acabou esquecida.
a ela dedico estes três segundos.


não é de declinio a musica que ouço,
embora aparente estar cheia de morte.
o unico fim de que sou testemunha,
é o de tudo permanentemente.


um galo rouco junta-se á canção.
como um relógio de precisão,
anuncia seis vezes o pico da estação.


menos concentrada aparece a rima.
deixo de ver o caracol.


a piscina já cheia convida a minha casca.
penso em boiar como o escaravelho;
protegido do vento no ondular da agua.

Nuno Gouveia

03 julho 2003

quando sai o poema,
impelido pelo vazar,
e em redor dele tudo se transforma para o moldar.
quando admirados com tudo ficamos,
sem que pela boca nos passem as palavras,
e tenhamos a alegria de conhecer todos os meios;
todas as formas;
todas as falas.

quando sai o poema ou o que quer que se lhe chame,
tenha ele o direito de dizer o que lhe cabe,
e saia ele por inteiro.
como passaros um dia libertos;
como gestos finalmente tomados;
como toques enfim consumados;
como dias realmente vividos.
sem refreio ou condição;
como este agora, em que o vejo partir.

Nuno Gouveia

01 julho 2003

Big Bang 

era uma vez um lugar vazio,
que ficava mesmo no centro da solidão do universo,
e que tinha a idade do infinito ( pelo menos para um homem como eu.)
o seu espaço vazio e negro assemelhá-va-se ao silencio, e seu pensamento, ( se realmente o tinha )
ao de um sol ardente de desejo.
de si tudo partira.
a si tudo viera.
a si tudo viria, sempre.
imagino que o sabia, e isso faz-me soltar o riso da imortalidade.
eu sou parte desse lugar;
ele deu-me à luz no seu voar.
creio que o sabia como eu, mas como era muito maior que eu,
isso fê-lo explodir mil vezes maior.
para mim ele é fogo-de-verdade;
para ele eu sou fogo-de-artificio.
esse lugar estava sempre a mudar.
mesmo vazio mudava.
ora enchendo-se de vazio, ora vazando vazio.
mudava até no eterno instante.
( tal coração de ser-vivo )
embora vazio de matéria, nunca se sentia só;
todas as coisas que lançava para fora de si, o levavam no coração de viajantes.
um dia lá regressariam, mais sabias e melhores companheiras,
toda a viagem seria boa, cheia de esperança e feliz recompensa...
mesmo assim, vazio, ele era feliz, por pensar na aventura da matéria.
por ela esperava, vazio.
sabendo que viria, como não vibrar de alegria?
qual solidão, qual quê?
a cada momento estrelas que cresciam, rotas que se abriam,
vidas que se multiplicavam, mesmo partindo para longe de si.
planetas de razões apaixonadas.
o universo era sua ideia, e tudo sempre, voltaria sempre.
o seu amor, assim vazio, corria pelos buracos negros.
a sua voz é ainda a minha.
põrra de desejo concreto, ver este lugar como mãe.
sereno e sábio.
que mãe tão linda.
muitos filhos como eu, quase nem o sentem ou procuram,
mas ainda assim vão em pleno võo.
olho para trás e grito para o querido lugar.
não me esqueci da minha missão.
levar-te-ei tanto amor quanto encontrar.
serei melhor?
mais teu filho que os outros?
não.
tenho só a sorte de me lembrar de ti, e entender que tal como tu, eu sou todos,
e que se me lembro, é por todos os que sou.
alargaremos os teus dominios nas milhares de sucessivas vidas,
e abraçaremos o que encontrarmos e sonharemos a ti voltar.
andaremos distraidos muitas vezes.
as paisagens sucedem-se e é dificil acabar tudo o que se começa.
é normal alguma distração;
ainda agora estamos a ir.
talvez por isso ame o deserto.
faz-me lembrar de lugares como tu, que tudo dão e de tudo abdicam.
ouve-se bem o vosso canto.
nada acontece e voçês cantam;
que belo canto eu ouço.
que bela noite.
do fogo para o fogo, e do gelo para o gelo, atravessam-se as terras do fogo e do gelo;
os mares de que somos feitos;
o choro belo de tal lugar;
a ausencia de todo o seu corpo, peveligiando toda a sua alma.
foi isso que não esqueci, hó lugar.
o argumento da razão em amar, tanto o dia de hoje,
como aquele que me fez partir de ti, primeiro feito gas e massa, e só agora homem e lugar.
lucido na corrente do destino.
de regresso a casa, onde estarás à minha espera,
a meio caminho de um sonho por cumprir.
Nuno Gouveia

27 junho 2003

todo o desejo contido no beijo;
todo o saber contido no tempo;
toda a recompensa contida na dávida
e todo o poema contido no homem.

todas as coisas contidas nas coisas,
mais não são que coisas,
contidas no adeus.

todo o querer contido no nada
e já nada se perde do amor que se contem.
fixa-me cidade.
olha como dobro a esquina da tua rua...

todo o desejo contido no beijo,
esvoaça no bico,
da pomba que em ti habita.

roda o carro contido no sorriso,
e eu contemplo o teu sono irrequieto.
sonha, cidade.
sonha comigo contido neste abraço.
embebecido.

Nuno Gouveia " sobre Lisboa
"
o sol bate na pedra,
que bate em mim e me deixa assim.

por detrás do vidro, as minhas plantas espreitam o dia.
sinto que sorriem,
em devaneios de poeta.

ouço uma musica muito musica,
que me invade o centro e explora por dentro.

admito que passa o tempo
e que cai a cinza, distraida no papel,
mas escorre um certo mel das coisas juntas e desarranjadas,
que o veneno da lógica não apanhou ainda.
Nuno Gouveia

18 junho 2003


Posted by Hello

17 junho 2003

procuremos somente a beleza,
que a vida é um punhado infantil
de areia ressequida,
um som de agua ou de bronze
e uma sombra que passa.

" Eugénio De Castro"

Ser 

o pássaro espreita do alto da cupula.
o maravilhoso mistério contudente
aquece e arrepia.
flecha na fantasia, de certo José no tabuleiro de xadrêz.
do que digo só sabe o poeta,
que brinca ligeiro com os simbolos da vida.
ser. isso é não ser.
não ser. isso é ser.
a propósito das corridas, as palavras não podem ser arrependidas;
tanto saber dentro de um pneu, só pode esperar que não haja um furo lento,
se não, tem que se fazer á vida e jogá-la como todos os outros.
emprestam-se sentimentos;
trocam-se sentimentos;
vendem-se sentimentos.
apregoam-se no ar, bem à vista de deus.
venha de lá uma pergunta mágica.
quem é o outro dos que falam de mim?
corre o tempo, pois corre, corre o rio.
corre comigo daqui para fora.
a liberdade! sim, a liberdade;
de ser suspeito de tudo e todos.
Nuno Gouveia

06 junho 2003

« á medida que conquistamos a maturidade,
tornamo-nos mais jovens.
comigo passa-se isso mesmo...
pois mantive sempre o mesmo sentimento perante a vida
desde os anos de rapaz;
nunca deixei de encarar a minha vida adulta e o envelhecimento
como uma especie de comèdia.»
Herman Hesse
quero dinheiro, para que outros o tenham.
quero paz, para dar e vender.
quero poder ser, o tal amor que para mim sonhei.
quero ter como unica ambição, o saber.

se outro em mim nascesse, mais louco ainda,
como seria, o tal futuro?

quero poder ver, tanto os astros e as galaxias,
como os homens e seus fantasmas.
quero tocar, tanto o ar que respiro, como o vento do oculto.
não me quero fazer de burro;
não quero conforto.
quero mais, muito mais, quero mais.
quero-me em flecha na fantasia;
quero acalmar as pessoas, quero um minuto da sua atenção.
mão na mão e mais ainda.


Nuno Gouveia
o sonho quer vir à tona e o homem mantem-no lá no fundo.
tem medo, do resultado da sua explosão.
tem mão sobre o sonho;
disso não abre mão.
para que servem tantos recursos?
o egoismo, o sentido de humõr, a cólera ou mesmo o amor...
a meu ver, ao entender para que seve um deles, logo se entende
para que servem os outros.
os recursos servem à vontade de viver
e o sonho quer vir à tona porque não teme morrer.
sabe bem demais o que não sabe o homem.
vir à vida é vir à luz, e explodir é viver em tudo.


Nuno Gouveia

05 junho 2003

um comboio quis partir cedo,
e uma pessoa atrasou-se e não o apanhou.
por pouco ficou,
a ver navios junto ao rio,
e riu, de perder comboios e de fazer esperar pessoas.
cantou baixinho canções de amigo,
e amou o vazio que trazia o rio.
não sabia que dizer ou pensar;
todos os rios corriam para o mar.
todo o poema se dissolvia e tornava a criar.
tudo se perdia, constantemente,
e pouco importava um comboio na sucessão maravilhosa
de um mundo a rodar.

o unico mal de aqui estar, pensou:

é não se poder para sempre aqui ficar.


Nuno Gouveia
da arvore da vida,
vai caindo a folhagem.
o mundo é uma garrida,
louca bola,
voragem.

é voragem que cansa,
e enebria,
o mundo.
o que hoje é brilho e esperança,
amanhã vai ao fundo.

em breve o vento passa,
frio, sobre a campa escura,
e a mãe curva-se e abraça o filho com ternura.

os seus olhos eu quero rever.
a minha estrela é esse olhar.
pode o resto morrer,
já que tudo quer acabar.

só a mãe eterna ficará.
a que entre tudo foi primeira;
seu dedo a brincar, escreverá,
nossos nomes na brisa ligeira.

29 maio 2003

envolto, no prazer da solidão,
sinto o impulso a guiar a minha mão e a pousar no papel,
e a gerar confusão.
envolto, no maior silencio que é ainda possivel,
escrevo a apontar ao çéu.
adormeço, inteiro. tento explicar isto em meia duzia de vocábulos.
o que nada tem para ser dito.
o silencio que vem de dentro,
nascido no centro de uma ideia qualquer.
vai cair o copo que está na beira da mesa,
e eu, que lá estou dentro, despeço-me deste mundo.
adeus aquario enfeitado.
adeus, velho silencio.
vou estilhaçar sobre os teus projectos,
e verter sobre o teu chão.
transborda-me o coração do medo e do desejo de cair.

o impulso é meu amigo;
dá-me mais um segundo, para decidir...

nem penso duas vezes.
sei bem o que quero.
caio para poder partir, para que um novo silencio possa surgir.


Nuno Gouveia

20 maio 2003

peixes morrem no rio Mondego;
obras suspensas em Torres e Mafra.
Sampaio janta com Mota Amaral;
gasolina abastece estado;
ataques atingem idosos indefesos;
jogadores contra Oliveira, a maldição de Camões.
Europa mais perto do Irão, espetou arpão na mulher.
exames façeis testam portugues.
Alberto Caeiro foi a surpresa.
creches não respondem á procura;
derrapagem orçamental.
Portugal pode levar puxão de orelhas, Durão pede esforço de todos.
Paulo Portas nos Estados Unidos, caos nos aeroportos.
mercado agita-se.
Hugo Viana quer partir para férias descansado.
terrorismo já chegou á net, foto trama João Pinto.
Marisa Cruz distribui simpatia;
o bê á bá da televisão.
recluso recapturado. banho madrugador acabou por ser fatal.
preços do vestuário disparam.
octogenário vítima de tiro.
França. astronauta no governo.
interprete os seus sonhos por apênas um euro.

O JORNAL DE UM HOMEM FRANCAMENTE ADMIRADO.

incredulamente, tudo teima em ser verdade.


Nuno Gouveia

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